por Juliana H. C. Fernandes
Conforme vem sendo noticiado na imprensa, vinícolas no Sul do Brasil são suspeitas de manter trabalhadores em condições análogas à escravos. As investigações não foram concluídas ainda, mas o que se sabe até o momento, conforme noticiado no dia 24 de fevereiro de 2023 por meio do jornal “A Folha de São Paulo”, 192 (cento e noventa e dois) trabalhadores, com idades entre 18 (dezoito) e 57 (cinquenta e sete) anos teriam sido levados da Bahia ao Rio Grande do Sul, com promessa de trabalho temporário durante a vindima, para trabalhar na colheita de uvas para as vinícolas, por meio de empresa terceirizada.
De acordo com a notícia, há indícios de que os trabalhadores se depararam com longas jornadas de trabalho na colheita de uvas (de domingo à sexta, das 5:00 às 20:00 horas), além de terem sido submetidos a choques elétricos para que acordassem e de recebimento de comida estragada para se alimentar. A opção à comida estragada seria comprar alimento com preço superfaturado, com valor descontado de seus salários.
Relatam, ainda, terem sofrido discriminação por sua origem. Suspeita-se, ainda, que as despesas de viagem tenham sido cobradas dos trabalhadores, que arcavam, ainda, com o custeio dos próprios alojamentos, onde não havia condições mínimas de segurança e higiene.
A reportagem menciona que as denúncias eram inibidas pela presença de homens armados. Mesmo assim, um grupo de trabalhadores teria conseguido sair dos alojamentos e realizá-la. Após tal denúncia, teriam recebido seus pagamentos, verbas rescisórias e custeio do deslocamento de volta à Bahia, além de 3 (três) parcelas do seguro-desemprego. Um representante da empresa que terceirizou os serviços às vinícolas chegou a ser preso, mas solto na sequência sob o pagamento de fiança. As vinícolas publicaram notas de desculpas pelo ocorrido e admitiram não conhecer a situação em que os trabalhadores era mantida, apesar de afirmar que respeitam as leis.[1]
Serão estas medidas suficientes para compensar os danos sofridos por tais trabalhadores? Serão os infratores punidos na proporção dos danos que causaram?
Ler uma notícia como esta nos faz esquecer que se passaram 135 anos da Lei Áurea, que aboliu a escravatura no Brasil.
Num momento em que tanto se fala em ESG (Environment, Social and Governance), movimento que defende boas práticas a serem realizadas pelas empresas para a redução dos impactos ambientais em toda a sua cadeia produtiva como forma de atrair investidores, é inimaginável que alguns setores da nossa economia ainda admitam a total falta de respeito à dignidade humana como forma de executar seus negócios.
[1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/02/colheita-de-uva-no-rs-era-feita-em-regime-de-trabalho-analogo-a-escravidao.shtml
[1] Vice-Presidente da Comissão de Compliance da OAB/SP, na 100ª Subseção do Ipiranga, Graduada pela UniFMU, especialista latu sensu em Direito Processual Civil pela COGEAE/ PUC/SP e em Direito do Trabalho e Previdência Social pela USP, além de Expert em Compliance pelo Instituto ARC.
[1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/02/colheita-de-uva-no-rs-era-feita-em-regime-de-trabalho-analogo-a-escravidao.shtml
Choca o fato de marcas famosas e conceituadas estarem envolvidas em tamanho escândalo. Nos parece que tais vinícolas pecaram gravemente em sua forma de governança, já que confessamente deixaram de fiscalização toda a cadeia produtiva, obrigação que lhe compete e da qual não pode se esquivar.
Apesar de as empresas terem divulgado nota de desculpas públicas, assumindo que desconhecia as condições de moradia e trabalho dos trabalhadores, faltou às empresas informar quais medidas efetivas serão tomadas para compensar os prejuízos materiais e morais sofridos pelos trabalhadores, bem como evitar que tais fatos voltem a repetir.
Para tentar recuperar a reputação das empresas e suas marcas no mercado, será necessário o envolvimento da Alta Direção das empresas, demonstrando real interesse na implementação de uma mudança cultural, garantindo os direitos básicos de todos os trabalhadores envolvidos da cadeia produtiva.
Haverá a necessidade de real interação da liderança com a comunidade em que atua, tornando-se consciente dos impactos causados, com a organização e monitoramento dos atos empresariais, elaborando políticas, regras e normas internas para esclarecer como os interesses da comunidade se alinharão com os interesses dos proprietários das empresas, buscando, assim, o melhor para a organização.
Mais do que implementar uma nova forma de governança, haverá a necessidade de divulgação de resultados transparentes, como forma de reconquistar o mercado de investidores e consumidores.
Maior do que o prejuízo financeiro que o desmantelamento de um esquema como este por de trazer às empresas envolvidos, é a mancha que a reputação das empresas (e até do setor econômico de que fazem parte) sofre no mercado, afastando investidores e consumidores, que preferirão não se vincular a marcas que conhecidamente desrespeitam os diretos básicos do trabalhadores, dos quais as empresas se beneficiaram.
Nenhum glamour e elegância de qualquer produto pode ser superior ao sangue e suor dos trabalhadores que auxiliaram na sua fabricação!