“Ela vai, ela vem, ela ainda não chegou…” sobre a vigência da LGPD

Giovani Saavedra.

Quando estava na faculdade, eu gostava muito de Direito Constitucional, mas, confesso, estudar processo legislativo, não me deixava particularmente estimulado intelectualmente. Pensava eu, na minha ingenuidade: “o que há de complexo nisso? Quando estiver formado, se quiser saber o prazo de vigência de uma lei, basta ler na lei, ora”. Afinal, que mistério poderia haver. Ingênuo, não há dúvida, muito ingênuo. De lá para cá, o Brasil tem comprovado, de maneira bem consistente, o que Luis Fernando Veríssimo afirmou de maneira mais jocosa (ou tragicômica, deixo aqui para o(a) leitor(a) decidir) “no Brasil o fundo do poço é só uma etapa”! De fato, o Brasil é pródigo em exemplos, no mínimo inusitados, de insegurança jurídica. Recentemente, porém, uma lei provou de maneira cabal meu erro completo de julgamento acerca da importância do conhecimento acerca do processo legislativo. Mas não só, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) está dando um significado completamente novo para a expressão insegurança jurídica. Até porque exatamente o que não se tem certeza até agora é se ela, de fato, está em vigência ou não.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) foi aprovada em agosto de 2018, depois de 8 anos de uma tramitação tumultuada. Entre idas e vindas, vários projetos de lei, ela foi aprovada. Ela acabou tirando proveito de um cenário internacional favorável: entrada em vigor do Regulamento Geral de Proteção de Dados na Europa (GDPR) e o escândalo envolvendo o Facebook, a Cambridge Analytica e a eleição nos Estados Unidos. De maneira resumida, o histórico do trâmite legislativo foi o seguinte:

  • Em maio de 2016, a presidente Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso, em regime de urgência, o anteprojeto de lei, recebido como Projeto de Lei nº 5276/2016;]
  • Em julho de 2016, o presidente interino Michel Temer retirou o regime de urgência e o PL 5276/16 tramitou formalmente na Câmara dos Deputados apensado ao 4060/12;
  • Em julho de 2018 o Projeto Lei da Câmara 53/2018[20] foi aprovado no plenário do Senado;
  • A Lei Geral de Proteção de Dados foi sancionada em 14 de agosto de 2018, publicada no Diário Oficial da União em 15 de agosto de 2018, e republicada parcialmente no mesmo dia, em edição extra. O início da vigência seria em 18 meses desde a publicação;
  • O Presidente Temer vetou a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão de fiscalização e, em dezembro de 2018, editou a Medida Provisória nº 869, de 27 de dezembro de 2018, prevendo a criação da ANPD e alterando o início da vigência da lei para agosto de 2020.

Seguindo minha metodologia desenvolvida na faculdade, analisando a lei, a partir daí, tudo muito simples: a vacatio legis (prazo legal a que a lei aguarda até sua entrada em vigor) era de 2 anos, estando previsto o início da vigência para agosto de 2020. Para alegria geral dos especialistas em Compliance e em Direito Digital, finalmente tinha sido aprovada a Lei Geral de Proteção de Dados do Brasil e, agora, era só aguardar o tempo de vacatio legis, para que entrasse em vigor a nova lei. Só que não. Não, não, não, não, não. Não podia ser tão fácil. E, de fato, não, a verdade é que ainda não está claro, quando, realmente, a referida lei entra em vigor. O que se verá a seguir, é um suspense legislativo de dar inveja aos livros da Agatha Christie ou Alfred Hitchcock.

Tudo começou com a proposição pelo Senador Antonio Anastasia (PSD/MG) do PL 1.179/2020, que previa um regime jurídico emergencial. Na primeira votação os Senadores decidiram pelo adiamento da vigência da LGPD para janeiro de 2021, enquanto as multas e sanções previstas na lei seriam postergadas para agosto de 2021. Antes, porém, que esse projeto concluísse sua tramitação legislativa, o Poder Executivo editou a Medida Provisória 959/2020 que, apesar de tratar de assuntos de auxílio emergencial, que não guardavam relação alguma com o tema de proteção de dados, determinou o adiamento da vigência da LGPD para maio de 2021. A medida provisória entrou em vigor em 29/04/2020, data da sua publicação, devendo ser convertida em lei por votação do Congresso Nacional até 27/08/2020 para que se mantenha em vigor, caso contrário deixará de existir. Correndo por fora, entretanto, o PL 1.179/2020, foi votado na Câmara dos Deputados, e, quando retornou ao Senado, em nova votação, suprimiu o dispositivo que tratava da prorrogação vigência da Lei, mantendo, portanto, o início da vigência para 14 de Agosto de 2020, mas determinando que as sanções administrativas valeriam a partir de 1o de agosto de 2021. A entrada em vigor ficou para 14 de agosto de 2020 e as sanções ficaram para agosto de 2021.

É isso então? Não, não, não, não. Você acha que está onde? Na Escandinávia? Claro que não. Hoje, o que está valendo é o prazo da Medida Provisória 959/2020, ou seja, maio de 2021. Essa medida provisória precisa ser votada ou vai caducar. O PL 1.179/2020 precisa ser sancionado, expressa ou  tacitamente, ou não entrará em vigor. Mas e se, o PL for vetado expressamente e a Medida Provisória caducar? Sem contar que ainda falta a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, que é de responsabilidade do governo federal. Nesse momento, encerrando meu artigo, refletindo sobre esses desafios, vi meus filhos brincando e lembrei de uma música de roda da minha infância “que os anos não trazem mais”. Ela se chama “O Limão entrou na roda”, bem a propósito aliás, fala da saga do limão:

“O limão entrou na roda
Ele passa de mão em mão
Ele vai, ele vem
Ele ainda não chegou
Ele vai, ele vem
Ele ainda não che-gou!”

Canções de roda infantis
Origem: Porto Alegre (RS)

Nada mais atual do que essa canção profética.

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