As certezas e incertezas do carro autônomo na sociedade moderna

Muito tem se discutido acerca da evolução de um modal de transporte capaz de se guiar sem auxílio da interação humana. Os chamados carros autônomos já foram objeto de uma série de estudos e, mesmo que apareçam constantemente em filmes e seriados futuristas, sua aplicação no mundo real ainda é muito controversa.

Os carros autônomos já contam com os esforços de uma série de montadoras que apostam na tecnologia para a chamada Era da Direção Autônoma, e lutam para serem os primeiros a lançar esse tipo de tecnologia no mercado mundial.

À primeira vista, os carros autônomos representam uma série de benefícios não apenas para o sistema de trânsito brasileiro, mas como para a qualidade de vida da população em geral, uma vez que torna os riscos inerentes a sua utilização mais previsíveis por retirar o fator humano da equação – este muitas vezes o culpado pelo alto índice de acidentes de trânsito[1] -, otimiza o tempo daqueles que o utilizam diariamente e evita congestionamentos, tendo em vista que organiza o fluxo de automóveis, tornando possível dobrar ou até triplicar o número de veículos que trafegam em uma mesma via.

Também é esperado que os seguros de veículos sofram uma diminuição abrupta de valor, o que representaria maior adesão a esse tipo de serviço por uma parte da sociedade que ainda não tem acesso a esse modelo de assistência.

Não é incomum que o mercado de carros autônomos também seja associado ao impacto positivo para o meio ambiente, sendo esperado que o mesmo contribua substancialmente para sua preservação, tendo em vista que os modelos desenvolvidos são adeptos à energia limpa e otimizam a quilometragem do veículo. Além disso os veículos autônomos aceleram, esterçam e freiam automaticamente, permitindo que haja efetivo controle do consumo de combustível e energia.

Porém, quando incorporamos essa realidade ao Brasil, uma série de riscos se torna notáveis e demonstram que a implementação e transição para esse modal de transporte talvez não seja tão tranquila quanto imaginamos. Os riscos não são poucos, entre eles podemos citar:

 

  • Elevada possibilidade de acidentes em vias de alta velocidade em razão de estradas sem manutenção, uma vez que os carros automáticos ainda não reconhecem buracos ou bueiros abertos;
  • Acidentes causados por necessidade de rápida decisão frente à um fenômeno natural – por exemplo, um deslizamento de terra que acabou de acontecer;
  • Escolha de sobreviventes frente à um acidente inevitável – quem decide quem sobrevive e quem morrerá quando o acidente envolver mais de uma vítima.
  • Falha no sistema e travamento dos usuários dentro do veículo;
  • Infrações de trânsito em razão de falta de atualização da legislação de trânsito pelo software;
  • Acidentes ou incidentes causados pela invasão no sistema operacional do veículo (hackers), incluindo o vazamento de dados pessoais do proprietário, como, por exemplo, a rotina do carro, gosto musical, locais mais frequentados, rotas mais utilizadas, etc.;
  • Acidentes causados por falta de planejamento nas cidades brasileiras – o carro precisa de faixas pintadas na via para se orientar. No Brasil, apenas 10% das rodovias são realmente pavimentadas;
  • Acidentes ou incidentes causados por falha na conexão de internet, uma vez que a cobertura de redes 3G e 4G ainda é muito fraca em muitos pontos do território brasileiro;
  • Comprometimento da segurança do veículo e de quem está sendo transportado quando GPS não fizer a distinção entre caminhos perigosos dentro das cidades.

 

Ao analisar essa série de fatores inerentes à implementação dessa tecnologia em território brasileiro, podem ser identificadas as eventuais barreiras que esse novo negócio implicará para o país, não apenas na economia, mas também com relação a políticas públicas e hábitos da população brasileira.

Talvez o fator mais urgente e que apresenta maior dificuldade para esse tipo de inovação seja a falta de planejamento das cidades para receber esse novo tipo de veículo, isso por que as cidades brasileiras não estão adaptadas e sequer se mostram em fase de adaptação para a recepção desse tipo de tecnologia, seja por falta de vias pavimentadas, seja pela péssima qualidade das vias (buracos, falta de sinalização, falta de pintura das faixas de trânsito ou instabilidade de faróis de transito).

Isso nos leva à segunda barreira que também é grandiosamente relevante: a educação no trânsito. A população brasileira é conhecida por desrespeitar leis de trânsito e vem sendo constantemente alertada com relação ao alto índice de infrações cometidas pela em vias públicas[2]. Grandes exemplos disso são: dirigir sob a influência de drogas psicoativas, desrespeitar faróis, realizar conversações sem o uso de seta e ultrapassagens violentas etc. É inevitável que haverá um choque dessa sociedade acostumada com a falta de respeito à legislação de trânsito com os carros autônomos, estes responsáveis por seguir todas as regulações de trânsito com afinco, aumentando a potencialidade de acidentes por parte dos condutores humanos.

Por fim, uma grande barreira ainda não solucionada no Brasil diz respeito à falta de legislação competente para regular as peculiaridades do carro autônomo. Nosso código de trânsito não pode ou deve ser utilizado de forma análoga à assuntos dessa alçada, tendo em vista as características muito especificas desse novo modo de transporte, elevando a urgência por uma legislação capaz de, por exemplo, definir as responsabilidades legais sobre os eventos provocados por veículos autônomos.

Diante de tantas expectativas, alguns cenários podem ser imaginados quando da implementação desse modelo alterativo de transporte. O carro autônomo tem grande potencial para liderar o mercado automobilístico mundial, mas, pelo menos em território brasileiro, enfrentará algumas resistências.

A primeira delas é a resistência do mercado consumidor que terá de se adaptar a esse novo estilo de transporte e aprender a confiar na tecnologia, o que hoje não é uma realidade. Além disso, haverá grande resistência dos mercados de consumo diretamente relacionados aos carros na forma como conhecemos hoje, isso implica no mercado petrolífero e derivados (refinarias, oficinas mecânicas, produtos para desempenho automotivo, serviço automotivo), além de negócios indiretos ligados ao mercado principal.

Diante de todas essas circunstâncias é possível visualizar um futuro realmente incerto com relação a nova tecnologia de carros autônomos. O novo meio de transporte carrega consigo uma série de atribuições positivas e, ao mesmo tempo, uma série de barreiras e desafios intrínsecos à sua implementação especialmente em território brasileiro.

Dessa maneira fica claro que a pura evolução tecnológica, por si só, em nada contribui para o mercado, podendo, inclusive, acarretar grandes descompassos com a sociedade contemporânea. Por essa razão, é mister que a evolução de leis, espaços físicos e conceitos humanos acompanhem a inovação para que ambas andem de mãos dadas e possam contribuir para o aperfeiçoamento do mundo como conhecemos hoje.

 

Referências Bibliográficas:

DAMATTA, Roberto – “Fé em Deus e pé na tábua – como e por que você enlouquece dirigindo no Brasil”, Editora Rocco, 2010.

Canal Tech. Desafios Enfrentados pelos Carros Autônomos. Disponível em: <https://canaltech.com.br/carros/os-desafios-enfrentados-pelos-carros-autonomos-52651/>, acesso em 21/07/2020.

E-Commerce Brasil. Veículos Autônomos e Benefícios para a Logística. Disponível em: <https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/veiculos-autonomos-e-beneficios-para-logistica/>, acesso em 20/07/2020.

Educação Automotiva. 8 Vantagens dos Carros Autônomos. Disponível em: <https://educacaoautomotiva.com/2018/04/21/8-vantagens-carros-autonomos/>, acesso em 22/07/2020.

Globo. Pouco Mais de 10% das Estradas Brasileiras São Asfaltadas. Disponível em: <http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2014/04/pouco-mais-de-10-das-estradas-brasileiras-sao-asfaltadas.html>, acesso em 22/07/2020;

Intransporte. O que Ainda Falta para Os Carros Autônomos Serem Adotados de Vez. Disponível em: <https://www.itransport.com.br/o-que-ainda-falta-para-os-carros-autonomos-serem-adotados-de-vez/>, acesso em 20/07/2020.

Quatro Rodas. “90% dos Acidentes são Causados por Fator Humano”. Disponível em: <https://quatrorodas.abril.com.br/especial/maio-amarelo-90-dos-acidentes-sao-causados-por-fator-humano/>, acesso em 20/07/2020.

Revista Automotivo. Pesquisa do IEEE Aponta Objeções para Carros Autônomos. Disponível em: <https://www.revistaautomotivo.com.br/pesquisa-do-ieee-aponta-objecoes-para-carros-autonomos/>, acesso em 21/07/2020.

[1] OMS – Organização Mundial da Saúde

[2] (DaMatta, 2010)

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